Quando uma rede regional enfrenta um gigante global em uma disputa de Marca, a imprensa costuma enquadrar o caso como um clássico “Davi contra Golias”. No processo Supermac’s vs McDonald’s, no entanto, o resultado foi menos épico e muito mais técnico, trazendo lições importantes para quem já atua (ou pretende atuar) com Marcas em mercados altamente competitivos.
O que aconteceu em termos práticos?
Em 2017, a irlandesa Supermac’s questionou à cobertura da Marca BIG MAC da McDonald’s na União Europeia. Depois de idas e vindas, em 5 de junho de 2024, o Tribunal Geral da UE decidiu que a McDonald’s não comprovou uso genuíno de “BIG MAC” para produtos de aves (frango) no período exigido e, por isso, perdeu a exclusividade sobre “Big Mac” para itens de carne de aves. A decisão manteve a proteção para sanduíches de carne bovina e outros itens com uso demonstrado. Em termos técnicos, foi revogação parcial por falta de prova de uso para parte das classes/produtos cobertos.
Essa conclusão não significa que “a McDonald’s perdeu o Big Mac”. O que aconteceu foi a redução da proteção em relação a produtos de aves, por falta de provas de uso. O tribunal deixou claro que até Marcas famosas precisam demonstrar uso real no território e nos produtos ou serviços reivindicados, e que a fama, por si só, não substitui a prova.
“Uso genuíno” e revogação parcial
No sistema europeu, o titular deve demonstrar uso real e efetivo da Marca para os produtos/serviços registrados, dentro de um período contínuo de cinco anos. Se não demonstrar, a Marca pode ser revogada, totalmente ou parcialmente, para os itens sem uso. Foi exatamente o que o Tribunal Geral fez em T-58/23, revogou parcialmente a proteção de “BIG MAC” para aves por falta de prova suficiente, mantendo-a para bovinos.
Essa é uma regra técnica importante, que impede que titulares mantenham registros muito amplos sem realmente usar ou comprovar o uso. Em outras palavras, registros extensos sem uso podem ser reduzidos judicialmente.
Caducidade por falta de uso (INPI/LPI)
No Brasil, a lógica é análoga, embora com procedimentos e prazos próprios. A LPI prevê a caducidade do registro se, decorridos 5 anos da concessão, o uso da Marca não tiver sido iniciado no País ou se o uso tiver sido interrompido por mais de 5 anos consecutivos, salvo justo motivo. O INPI disciplina essa verificação e o procedimento administrativo. Em síntese: não usar (ou não conseguir provar o uso) fragiliza a exclusividade.
Assim como na UE, no Brasil não basta o “tamanho” da empresa, a caducidade pode ser declarada se o uso não estiver comprovado conforme as exigências do INPI. Para empresas que expandem linhas e categorias, o recado é claro, é preciso estruturar, documentar e arquivar evidências de uso para cada classe ou produto relevante.
Por que o caso importa tanto para redes menores?
- Se o titular não prova uso para determinado segmento, o sistema corrige a sobrecobertura, abrindo espaço concorrencial para quem efetivamente usa em nichos específicos. Foi o que a Supermac’s buscou, encurtar o “guarda-chuva” BIG MAC onde não havia uso comprovado.
- No mercado, o registro de Marcas são direitos de uso e não apenas “títulos de posse”. Sem uso, há risco de perda.
- No Tribunal Geral da UE, prova concreta de uso, nota fiscal, publicidade, embalagens, volumes, cobertura geográfica etc. vale mais do que reputação ou reconhecimento público, isoladamente.
Mitos e verdades que este caso ajuda a esclarecer
“Marca famosa não precisa provar uso.”
Falso. A decisão europeia mostra que precisa, sim, e para cada produto/serviço relevante. No Brasil, caducidade também pode atingir registros subutilizados.
“Se eu já registrei em muitas classes, estou 100% protegido.”
Não necessariamente. Escopo sem uso é vulnerável. A estratégia vencedora é registrar com precisão, usar e arquivar evidências.
“Perder parte da classe significa perder a Marca.”
Não. A revogação pode ser parcial, como no caso “BIG MAC”, proteção mantida para bovinos, reduzida para aves.
O que empresas brasileiras podem aprender e aplicar já
1) Planeje o escopo com cuidado
Evite registrar Marcas “em massa” ou em muitas classes sem uso real. No Brasil, o registro deve refletir os produtos ou serviços que você efetivamente oferece ou pretende expandir em curto prazo. Registros exagerados sem uso podem ser reduzidos judicialmente.
2) Documente o uso desde o início
Guarde provas de que sua Marca está sendo usada, como notas fiscais, campanhas publicitárias, catálogos, embalagens, prints de e-commerce, relatórios de vendas e cobertura geográfica. Esse material é fundamental caso seja necessário comprovar uso perante o INPI.
3) Faça gestão ativa do portfólio
Revise regularmente cada Marca por classe ou produto. Se houver produtos que não estão sendo usados, ajuste a estratégia: reative o uso, licencie, restrinja o escopo ou prepare-se para defender a Marca em processos de caducidade.
4) Tenha cuidado ao expandir internacionalmente
Ao registrar Marcas em outros países, siga as regras locais sobre uso genuíno. O que funciona na União Europeia, por exemplo, tem equivalentes em muitos mercados globais, e a prova de uso continua sendo essencial.
O que isso não é, e convém evitar nas manchetes
- Não é “a morte do Big Mac”.
- Não é “liberação geral do nome Big Mac” para qualquer produto.
- Não é um “troféu automático” a qualquer entrante.
É um ajuste técnico de escopo de proteção, dentro dos parâmetros legais europeus, decorrente de prova de uso insuficiente para aves.
O “tamanho” não vence a técnica
O caso Supermac’s vs McDonald’s não derruba Marcas famosas, ele recalibra expectativas. Direito marcário é direito de uso comprovado, não uma redoma ampla e eterna. Para empreendedores brasileiros a mensagem é direta, registre, use e prove, e mantenha o portfólio vivo, compatível com a realidade do negócio. É assim que redes menores abrem espaço e que redes maiores preservam, de fato, o que construíram.
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